18 de julho de 2010

Sair da rotina


 Sentada à secretária, deu por si a pensar que não gostava da vida que tinha. Não gostava do emprego, do que fazia, do sítio onde morava, de ainda viver com os pais quase aos 30 anos. Sentia-se presa e acomodada naquela rotina de onde ainda não tinha tido coragem para sair. Levantava-se todos os dias à mesma hora, saía de casa, entrava no carro, fazia os 50km de auto-estrada até chegar ao emprego, entrava e sentava-se atrás da secretária. Falava com os colegas apenas o indispensável, pois não gostava deles - e parecia-lhe que eles também não gostavam dela. Até com o patrão falava apenas quando não podia deixar de ser. Afinal, aquele era um emprego provisório, enquanto não arranjava outro mais de acordo com as suas capacidades e habilitações. Não tinha andado a estudar tantos anos para acabar como assistente de um tipo que não tinha sequer o ensino secundário completo.

Ao fim do dia, voltava a entrar no carro e a fazer os mesmos 50Km de auto-estrada até chegar a casa. Cansada, sem vontade de estar com ninguém, ainda assim arranjava forças para conversar com os pais durante o jantar, antes de sair com o namorado. O namorado, de quem também não sabia se gostava. Ou antes, gostava dele, não sabia se gostava de estar com ele, o que são coisas bem distintas. Ele parecia gostar realmente dela, fazia de tudo para a ver feliz. Mas ela não se sentia feliz. Ele trabalhava e estudava ao mesmo tempo, mas a ela parecia-lhe que ele não se esforçava por terminar o curso, embora se queixasse constantemente do emprego que tinha. Um falso ambicioso, sem vontade de fazer fosse o que fosse por mudar a situação, era assim que ela o via. E a certa altura começou a arranjar desculpas para se verem cada vez com menos frequência

Naquele dia, sentada à secretária, decidiu que tinha de fazer alguma coisa para mudar a sua vida. Levantou-se, entrou no gabinete do patrão e despediu-se. Sentiu um alívio, como se lhe tirassem um peso de cima dos ombros. Saiu sem olhar para trás, entrou no carro e ligou ao namorado. Disse-lhe que queria acabar tudo, não por não gostar dele, mas porque às vezes não basta gostar. Sentiu-se ainda mais aliviada. 

E agora sem emprego, sem namorado, sem saber o que iria ser a sua vida, estava finalmente livre. E feliz.

4 comentários:

viajanteintemporal disse...

Quando tudo termina bem ficamos todos felizes! A felicidade é algo que devemos agarrar com as duas mãos. Ás vezes não sabemos é onde ela está. beijinhos

Tulipa Negra disse...

Sem dúvida. E às vezes é preciso muita coragem para mudar.
Beijinhos

A Loira disse...

wow... isto sim, é coragem, é o grito de revolta.

Tulipa Negra disse...

Vera, há alturas em que é mesmo preciso uma revolta. Beijinhos