8 de novembro de 2010

Estrangeiro e estranho # 4

O original não é fiel à tradução. (Jorge Borges)


E agora em Grego, vá!

Perdoem-me o preciosismo, mas este vídeo tão divertido na realidade mostra um intérprete (que para o caso também serve) e dos bons! Muitas vezes confundidos, intérprete e tradutor não são a mesma coisa. Para quem não saiba, a diferença básica é simples: um tradutor escreve; um intérprete fala. Agradeço ao João ter-me recordado este vídeo.

Todas as expressões de que tenho falado nesta rubrica são de difícil tradução. Principalmente, por representarem realidades que não existem necessariamente noutras línguas - ainda aqui hei-de colocar as muitas palavras que os Esquimós usam para neve. Uma dessas dificuldades de que os falantes nativos de português se orgulham é a palavra saudade. Não é que os outros povos não a sintam, naturalmente que sim. Mas provavelmente não lhe dão a mesma importância, pelo que não necessitam de uma palavra específica para designar esse sentimento. Parecendo que não, a saudade é mesmo qualquer coisa tipicamente Tuga - talvez mais do que os pastéis de nata e o bacalhau...

Mas não pensem que somos só nós a ter palavras que dão dores de cabeça a qualquer tradutor minimamente aplicado. Neste artigo (enviado pela Ventania) verificamos que a nossa saudade aparece apenas em 7º lugar, atrás de ilunga (tshiluba) - uma pessoa que está disposta a perdoar quaisquer maus-tratos pela primeira vez (à primeira todos caem), a tolerar o mesmo pela segunda vez (à segunda cai quem quer), mas nunca pela terceira vez (à terceira ninguém cai) - e de shlimazl (ídiche) - uma pessoa cronicamente azarada. Ainda assim, parece que a próxima é mais difícil  de traduzir do que a saudade, embora eu não consiga perceber porquê: pochemuchka (russo) - uma pessoa que faz perguntas demais. Tenho de apresentar umas quantas pessoas aos tipos que fazem estas listas...

Tal como a saudade, a maioria das palavras difíceis de traduzir representam realidades ou situações para as quais não temos uma expressão específica (em alguns casos, no entanto, até davam jeito). Ora digam lá se não queriam ter palavras para:

  • desviar-se da chuva movimentando-se depressa, como em havaiano: 'alo'alo kiki (e eu que pensava que no Havai estava sempre bom tempo!)
  • nadar só com as mãos, também em havaiano: honuhonu (deve ser parecido com nadar à cão, mas eu estava convencida que os havaianos sabiam nadar como ninguém... enfim, mas um mito desfeito.)
  • carregar coisas à cabeça sem as segurar com as mãos, na língua zarma da Nigéria: tallabe (alguém sabe de uma palavra para isto, já que no interior do nosso rectângulo ainda há quem leve bilhas e fardos de palha à cabeça num equilíbrio capaz de desafiar as leias da física?)
  • sentir o corpo preso por estar sentado na mesma posição durante muito tempo, em checo, diz-se: přesezený (será que passam assim tanto tempo sentados na mesma posição para precisarem de uma palavra específica para isto? Quer dizer... podem sempre levantar-se e esticar as pernas antes, digo eu!)

Ainda assim, pelo menos no meu caso, útil mesmo era uma palavra como teklak-tekluk (indonésio) que designa aquele movimento da cabeça a cambalear com sono. As actas das reuniões de trabalho seriam muito mais realistas!

Inspirado por The Meaning of Tingo and Other Extraordinary Words from Around the World, Adam Jacot de Boinod.
Expirado e respirado por Tulipa Negra.

4 comentários:

Vício disse...

pois é... as realidades das línguas é que é o problema! deve ser por isso que há línguas muito sonhadoras...

Tulipa Negra disse...

Vício, e quando as línguas se põem a sonhar... está tudo estragado!
Beijinhos

Rafeiro Perfumado disse...

A palavra "ilunga" faz-me lembrar um mote de vida do qual eu gosto muito: Errar é humano, persistir no erro é ser estúpido que nem uma porta.

Beijocas!

Tulipa Negra disse...

Rafeiro, muito bem visto, sim senhor! :)