26 de maio de 2010

Se não tivesse visto, não acreditava

Mais uma história incrível da empresa onde trabalhei, neste caso a que viria a falir, com o patrão como protagonista.

Nos últimos tempos de vida da empresa, o clima de ansiedade e de revolta entre os funcionários era evidente - e justificado, também. A partir do dia 24 de cada mês o patrão desaparecia, para apenas voltar a ser visto depois do dia 4 do mês seguinte. Comunicava com o pessoal através de recados deixados nas respectivas secretárias durante a noite, a que cada um respondia com outro recado colocado na secretária do patrão durante o dia. Tudo isto porque ele, que nunca gostara de pagar os ordenados, agora não tinha sequer dinheiro para o fazer e o seu orgulho de macho latino, pois assim se considerava e comportava, não lhe permitia admitir tal situação perante os funcionários.
Ora calhou que em certo mês o patrão, que já nem cheques tinha, tivesse conseguido juntar uns trocos para pagar ao pessoal, tarde e a más horas, mas sempre era melhor que nada. E aí entrou ele na sala de trabalho (um espaço aberto sem divisórias físicas), todo pimpão, inchado que nem um peru como se fosse o maior feito da humanidade pagar ordenados a quem trabalhou um mês inteiro no duro, fazendo até horas extraordinárias, sem reclamar nem ser compensado por isso. Trazia na mão um envelope recheado, viemos depois a perceber que de notas (ainda de escudos), e falava e ria como há muito ninguém o via fazer.
Já diz o povo que quando a esmola é muita o pobre desconfia, pelo que na sala onde trabalhávamos o ambiente ficou bem pesado, fez-se um silêncio sepulcral, trocámos olhares desconfiados, franzimos as testas e sentámo-nos, à espera da bomba que iria certamente rebentar.
Qual não foi o espanto geral quando, inesperadamente, o patrão começou a dar a volta pelos vários lugares e, tirando notas de dentro do envelope, ia pagando o ordenado a cada um. Parecia inacreditável e, se algum de nós tivesse um aparelhómetro daqueles que permitem detectar notas falsas, certamente tê-lo-ia utilizado. Mas não era preciso, era mesmo verdade. Até que chegou a vez dos últimos, cujas secretárias ficavam do lado contrário àquele por onde o patrão tinha iniciado o seu périplo. Sorridente, tirou as últimas notas do envelope, pagou a mais um funcionário e deu por terminada a sua função. Voltou costas e... deu de caras com alguém que ainda não tinha recebido. Sem perder tempo, sem pestanejar, sem sequer se atrapalhar, dirigiu-se ao último funcionário a quem tinha pago (e que ainda estava a contar as notas, não fosse haver enganos) e disse, alto e em bom som:
- R., empresta aí cem contos para pagar ao S.
...

2 comentários:

Kawamura disse...

jasusa... no comment.

Tulipa Negra disse...

O pior é que isto é verídico... E o desgraçado não teve cara para dizer que não, porque afinal era para pagar ao colega.