- Cheira a chuva.
- Cheira a quê?
- A chuva.
- Mas a que cheira a chuva? A chuva é água, não tem cheiro...
- Não digas disparates! Claro que a chuva tem cheiro.
- Eu nunca senti o cheiro da chuva. Sinto o toque da chuva, as gotas a caírem-me na cabeça, e até já lhe senti o sabor, mas o cheiro nunca.
- O sabor da chuva?
- Sim. Quando chove, abro a boca e deito a língua de fora para apanhar as gotas que caem.
- E consegues apanhá-las?
- Claro que sim! Fecho os olhos, inclino a cabeça para trás, abro a boca e espero.
- Deves ficar com um ar de doida...
- E a mim que me importa? Sabe-me bem, sinto-me bem assim. Gosto do sabor da água fria da chuva. Mata-me a sede.
- Mata-te a sede? Mas não deves conseguir apanhar mais de umas poucas gotas...
- Não se trata de quantidade, mas de qualidade.
- Qualidade? Agora queres convencer-me de que a água da chuva é melhor do que a outra?
- Nada disso. Não sei se é melhor ou pior, nunca me informei sobre o assunto. Mas o prazer que sinto com aquela meia-dúzia de gotas de água é incomparável. Naquele instante, por uns segundos, sou novamente criança. Não tenho preocupações, nem obrigações, nem prisões... Sou feliz.
- E agora não és feliz?
- Sou, claro. Não tenho motivos para não ser. Mas não tanto como quando sinto o sabor da chuva.
- ...
- Não dizes nada?
- Não sei que te responda...
- É assim tão estranho gostar de beber a chuva?
- Não sei. Eu prefiro sentir-lhe o cheiro.
- E ele a dar-lhe... Qual cheiro?
- O cheiro da terra molhada pelas primeiras chuvas...
- Sabes que não passa do cheiro das bactérias em contacto com a água?
- Sei. Nem por isso deixa de ser bom. Mas não é só esse cheiro.
- Não é?
- Não. É o cheiro da renovação, é o cheiro do amor, é o cheiro da vida a recomeçar.
- Não quererás dizer a acabar?
- Claro que não! Com a chuva recomeça o ciclo da vida.
- Seja como for, agora não está a chover. Como podes dizer que cheira a chuva?
- Sinto o cheiro da chuva a chegar.
- Ah! Agora também és meteorologista?
- Não brinques, estou a falar a sério. Sinto no ar um aroma especial, que nem sei definir...
- Mas sabes que é aroma de chuva?
- Sei.
- Como podes ter a certeza?
- Porque é o cheiro que senti quando te beijei a primeira vez. Estava a chover, lembras-te?